sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

AS PERIPÉCIAS DE UM GAROTO ESTRANHO

UMA OPERÁRIA A MENOS
          Deodor sempre foi visto como o mais estranho entre seus iguais (ele é uma pessoa, aos poucos eu descobri isso) , aliás, não havia ninguém igual a ele.

          Quando era criança costumava fazer pequenos hospitais para insetos que estavam morrendo (a maioria das vezes ele mesmo causava isso) , e ficava o dia todo trabalhando na recuperação dos pobres animais. Mas agora a história é sobre um desses animais, apenas. A história vai parecer um pouco infantil, mas é porque Deodor era infantil (ou é, não sei, depende) . Um dia, na 2° série, achou uma abelha morrendo dentro da sala de aula e tratou logo de socorrê-la. Não escutou uma só palavra do que a professora dissera durante a aula, e no recreio aproveitou para cuidar melhor do himenóptero. O pátio da escola começava logo na saída das salas de aula, era uma grande área aberta rodeada de árvores, e ao pé de cada árvore havia um banco. Colocou o inseto em cima de um dos bancos e percebeu que de seu abdômen saia a ponta de alguma coisa estranha e logo pensou: “Hum... algum outro inseto deve ter ficado furioso com a senhora abelha e lhe fincou um ferrão, então o que eu devo fazer é retira-lo!” E foi isso o que ele fez, para o azar da abelha. Atenta e cuidadosamente foi encostando o dedo na ponta do “ferrão”, e de súbito puxou-o. Mas o que ele puxou foi mais do que previra: saiu alguma coisa gosmenta, de quase 1cm, do corpo do inseto. O garoto não sabia que ao puxar o ferrão da abelha ele puxaria também todos os seus órgãos. Quando Deodor percebeu o que tinha feito quase caiu para trás. “Eu matei a pobre da abelha! Eu sou um assassino! Eu devia estar preso, isso sim...”. Nesse momento eu mesmo fiquei com muita pena do pequeno Deodor, afinal ele só queria ajudar a abelha.

          Vendo a cena do crime, o que restou a Deodor foi fazer um enterro digno para a vítima. Ele foi até o armário que estava no fundo da sala de aula e lá procurou alguma caixinha para carregar o inseto. Foi difícil achar, pois o armário era uma bagunça, cheio de lápis, canetas, tintas, papéis, livros, desenhos, tudo o que é necessário para uma professora distrair uma bando de crianças por uma aula. Mas Deodor encontrou o que queria: uma caixa de fósforos. “Perfeito!”. Foi até o pátio, onde estava a abelha, e a colocou dentro da caixa, quando ouviu o toque do fim do intervalo. Já de volta à sala de aula, continuou a não prestar atenção à professora, pois ainda pensava no crime que tinha cometido. Quando o fim da aula chegou foi um alívio, assim ele poderia finalmente preparar o funeral ao chegar em casa. Da escola para sua casa, só contarei que ele ficou muito quieto, pois sabia que um momento importante estava por vir.

          Uma pausa. Deodor tinha sete anos, e era  sua primeira experiência com a morte, e ele ainda pensava que era o assassino da história. Ele podia ser teimoso e desobediente com seus pais (e era) , mas uma coisa que não suportava era ver alguém, ou alguma coisa, sofrendo e não poder ajudar, e quando não podia, lamentava muito por isso. Uma vez deu de presente para si mesmo dois gatinhos abandonados perto de sua casa, ato que sua mãe “adorou”. Já perdi a conta de quantos passarinhos caídos do ninho ele cuidou. Todos morreram, é claro, menos os já crescidos que só estavam com algum machucado.

          Mas voltemos à história, a primeira das demais. Quando Deodor chegou em casa foi logo trocando de roupa. Pegou a caixinha que continha a abelha, uma colher e dois gravetos e se dirigiu aos fundos da casa para procurar um lugar que servisse de cemitério. O gramado era grande, mas não o suficiente para Deodor, que depois de uns doze minutos achou o lugar ideal. Com a colher, começou a cavar um buraco, cerca de 15cm de profundidade. Abriu a caixinha e viu o corpo imóvel da abelha, foi quando pensou em algo especial para dar à senhora abelha. O garoto saiu correndo em direção à casa, entrou no quarto de sua mãe e abriu a gaveta que continha as jóias, escolheu a mais bonita e guardou-a. Voltou correndo ao local do enterro e, sem mais delongas, colocou cuidadosamente o inseto no buraco, junto com o objeto furtado de sua mãe. “Isso, senhora abelha, é um presente para mostrar o quanto eu sinto pelo o que eu fiz, espero que faça bom proveito com ele aí no céu das abelhas”. Os gravetos ele iria usar para cravá-los no chão, para marcar onde havia enterrado o corpo do inseto. Mas (infelizmente) mudou de ideia, pois pensou que se soubesse onde era o local iria vir sempre ali. Um pouco mais conformado, agora que tinha feito um enterro digno para à abelha, Deodor foi recolher-se em sua casa. No dia seguinte o garoto já não lembrava mais o local do enterro, e ele nem tentou procurar. Dois dias depois foi acordado subitamente por sua mãe: “Deodor! Você viu onde está a aliança de sua irmã?! O casamento é daquia a poucas horas!”
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Post scriptum: Não vou contar que, daquele dia em diante, Deodor conhece cada centímetro quadrado de todo o gramado, se alguém perguntasse onde ficava o formigueiro mais alto, ele saberia responder.
Vanderlei Amaral