quarta-feira, 3 de junho de 2015

LOBO

          Minha refeição favorita é lasanha. Amo lasanha, assim como amo tantas outras coisas, mas uma lasanha... Todos os dias quando chego em casa a primeira coisa que falo quando entro pela porta não é "oi", e sim: "onde está a lasanha?". Eu não quis dizer que pergunto com bastante frequência se minha mãe fez ou não lasanha (o que 99,9999% das vezes ela não fez), eu literalmente pergunto, há anos, TODOS OS DIAS "onde está a lasanha?". Afinal, um dia há de ter uma lasanha me esperando. EU AMO LASANHA. Assim como amo tantas outras coisas.



          Tenho poucas lembranças de quando era pequeno. Uma delas é a primeira música de que me recordo: Ana Júlia, dos Los Hermanos. Linda música. Mas uma coisa que é difícil lembrar são os momentos em que eu não tinha ao lado meu Pastor Alemão, o Lobo. Quando eu estava na 3° série, participei de uma feira de filhotes, onde os alunos levavam seus animais de estimação. O Lobo tinha meses na época, e fez o maior sucesso na feira. Outra vez, ele ainda filhote, eu o assustei com uma mascara do Batman e me arrependo até hoje, pois ele realmente se assustou com aquilo. Era o cachorro mais calmo que eu conhecia e respeitava demais à minha família. Sua lealdade era inquestionável.
          Ele esteve presente em praticamente toda minha vida escolar e é por isso que é realmente difícil lembrar dos momentos em que ele não estava presente. Já com mais de dez anos, notamos que a idade tinha o alcançado e era triste ver ele tentar levantar-se e não conseguir, ainda mais sendo uma pastor enorme. Semana passada ele completou catorze anos de vida e é muito raro cachorros de  raça de grande porte alcançaram tamanha idade. Toda vez que eu chegava ele levantava e vinha até mim no portão. Eu o "xingava", claro, afinal um cachorro da idade dele não deveria mais ficar levantando para me receber. Mas eu agradecia. Uma coisa que ninguém sabe é que quase sempre eu não saio de casa sem me despedir de cada um dos cachorros, nem que seja só os olhando de longe, eu apenas dou tchau para cada um e saio. Na volta era um carinho na cabeça de cada um (sério, um por um).
          Porém, hoje pela manhã, eu saí e não o vi. Não vi nenhum deles. Mas o ônibus já ia passar e me fui para a parada, sem perceber que se eu tivesse me atinado àquilo, eu poderia ter feito o que eu mentalmente já havia pedido a ele: que ele me avisasse quando partisse, para que eu pudesse me despedir. 



          Já bem tarde hoje, que estava bem frio, eu abri a porta, entrei em casa e perguntei: "onde está o Lobo?"



Vanderlei Amaral









sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Ilex paraguariensis às 6h

          Ele estava parado no galho mais alto da árvore. Voou cerca de um metro acima, deu uma volta e voltou ao lugar de repouso. Não havia vento, nem mesmo outros animais em volta. As folhas mal se mexiam. A pergunta feita por mim naquele momento foi: por que o pássaro fez aquilo, sem nenhum motivo aparente?
          Bem, a resposta pode ser dada com a própria pergunta. Por motivo algum. Ou pelo mais simples motivo: porque ele podia, afinal era um pássaro e pássaros voam. Essa semana assisti a um vídeo no qual um conhecido físico respondia à pergunta de um garoto de 6 anos e três quartos de idade. A pergunta foi "qual o sentido da vida?". Sabiamente o físico respondeu que o sentido da vida é algo que nós mesmos criamos. Um dia em que não aprendemos algo a mais do dia anterior é um dia desperdiçado, o que é realmente verdade; afinal, nunca se sabe quando será o último. Não sabendo disto, o pássaro alçou voo não para fugir de um predador nem sequer para buscar algum alimento. Simplesmente por voar.



          O maior sonho de um garoto, certa vez, era patinar. Seu pai, sabendo disso, comprou o melhor e mais bonito par de patins para o seu filho. O garoto não soube expressar tamanha felicidade ao ver o presente, contou a todos os seus amigos sobre o ocorrido e ficaram igualmente felizes. Porém, ele não queria estragar os patins, pois gostava muito do presente e o que sempre quis foi justamente patinar. Resolveu então guardá-los para uma situação especial, enquanto seus amigos brincavam com seus próprios patins, que não chegavam nem perto da beleza e da qualidade do que  ganhara de seu pai.
          Passado algum tempo os patins continuavam guardados, pois o garoto não encontrara a situação certa para usá-los. Até que um dia, cansado de esperar, ele finalmente resolve experimentar e sentir a tão esperada sensação de usar o melhor par de patins que existia. Porém, ao tentar calçar o par ele se deu conta de que havia crescido demais e já não lhe servia. Não pode evitar de lembrar dos momentos que viu seus amigos se divertindo enquanto ele apenas assistia, e percebeu o terrível erro que cometera.
          (Essa história eu li certa vez e reescrevi com minhas palavras).



          Todos deveriam encontrar, ao menos uma vez na vida, o garoto loiro com vestes de príncipe. Para lembrar as pessoas a fazerem as perguntas certas, a querer as coisas certas, sem medo de voar nem mesmo de calçar os patins. As palavras confundem, até mesmo essas. Mas no fim, isso nem mesmo importa. A raposa já disse, só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.
       
          A pergunta de agora é: o carneiro terá ou não comido a flor?



Vanderlei Amaral